As condições pré-analíticas comumente abordadas no laboratório clínico incluem variação cronobiológica, gênero, idade, posição, prática de atividade física, dieta, jejum e uso de drogas para fins terapêuticos ou não. Em uma abordagem mais ampla, outras circunstâncias também precisam ser consideradas, a exemplo da realização de procedimentos terapêuticos ou diagnósticos, cirurgias, transfusão de sangue e infusão de soluções, entre outras. A coleta e a adequação de amostras igualmente entram nessa lista, mas mereceram um espaço exclusivo na página 4. Veja, a seguir, como cada uma dessas condições interfere nos resultados.
Variação cronobiológica
Essa condição envolve as alterações cíclicas na concentração de determinados parâmetros em função do tempo, podendo ser diária, mensal, sazonal, anual, etc. A circadiana, por exemplo, ocorre nos níveis séricos de ferro e de cortisol. As coletas realizadas à tarde fornecem resultados mais baixos do que os obtidos nas amostras coletadas pela manhã.
Influência da variação cronobiológica no perfil de ferro
Sexo feminino, 40 anos
Posição
A mudança rápida na postura corporal determina variações no teor de alguns componentes séricos. Quando o indivíduo se move da posição supina para a ereta, ocorre um afluxo de água e substâncias filtráveis do espaço intravascular para o intersticial. Assim, proteínas de alto peso molecular e elementos celulares elevam-se relativamente até que o equilíbrio hídrico se restabeleça. Por essa razão, níveis de albumina, colesterol, triglicérides, hematócrito e hemoglobina, além de drogas que se ligam a proteínas e também os leucócitos, podem ser superestimados (em torno de 8% a 10%) se a coleta de sangue for feita antes da estabilização do equilíbrio hídrico.
Gênero
Alguns exames de sangue e urina apresentam níveis significativamente distintos entre homens e mulheres devido a variações hormonais, metabólicas e de massa muscular, entre outras. As alterações típicas do ciclo menstrual também se refletem em outras substâncias. A aldosterona fica cerca de 100% mais elevada na fase pré-ovulatória do que na folicular. De qualquer modo, os intervalos de referência para esses parâmetros são específicos para cada gênero.
Faixa etária
Certos indicadores bioquímicos possuem nível sérico dependente da idade, o que se deve a fatores como maturidade funcional dos órgãos e sistemas, conteúdo hídrico e lipídico, massa corporal, limitações funcionais da senilidade, etc. Em situações especiais, os intervalos de referência devem considerar essas diferenças. Convém ponderar que as mesmas causas de variações pré-analíticas que afetam os resultados laboratoriais em jovens interferem nos resultados de idosos, mas com intensidade maior nestes últimos. Doenças subclínicas também são mais comuns na maturidade e precisam ser levadas em conta na interpretação dos resultados.
Jejum
A necessidade do jejum decorre do fato de os valores de referência dos testes terem sido estabelecidos em indivíduos nessa condição. Ademais, a refeição pode alterar a composição sanguínea momentaneamente – sem o pré-requisito, cada exame teria de ser analisado à luz do que a pessoa ingeriu. A maioria dos exames exige três horas de jejum, com exceção da glicemia (oito horas) e do perfil lipídico (12 horas), dentro do qual, vale lembrar, existe considerável variação intraindividual nos lipídios plasmáticos, da ordem de 5% a 10%, para o colesterol total, e superior a 20%, para os triglicérides. Na população pediátrica e de idosos, o tempo sem alimentação deve guardar relação com os intervalos das refeições. Para crianças mais novas, o jejum pode ser de uma ou duas horas.
Dieta
A amplitude das alterações de parâmetros no plasma ainda depende da composição da dieta e do tempo decorrido entre a ingestão e a coleta da amostra. Alimentos que contêm muita gordura, por exemplo, fazem subir a concentração de triglicérides, da mesma forma que dietas ricas em proteínas promovem níveis elevados de amônia, ureia e ácido úrico.
Álcool e fumo
Da mesma forma que os medicamentos, o álcool e o fumo determinam variações nos resultados de exames laboratoriais por seus efeitos in vivo e in vitro. Mesmo o consumo esporádico de etanol pode ocasionar alterações significativas e quase imediatas na glicose, no ácido láctico e nos triglicérides. Já o uso crônico eleva a atividade da gamaglutamiltransferase. O tabagismo, por sua vez, aumenta a concentração de hemoglobina, a quantidade de leucócitos e de hemácias e o volume corpuscular médio, além de reduzir o HDL-colesterol e elevar a adrenalina, a aldosterona, o antígeno carcinoembriogênico e o cortisol.
Gestação
Existem mecanismos que mudam o nível das substâncias no plasma durante a gravidez, os quais decorrem de vários fatores, como a hemodiluição de proteínas totais e albumina, as deficiências relativas em função do maior consumo de ferro e ferritina e o aumento das proteínas de fase aguda, como a velocidade de hemossedimentação, apenas para citar alguns.
Atividade física
O efeito dos exercícios sobre alguns componentes sanguíneos é, em geral, transitório e decorre da mobilização de água e outras substâncias entre os diferentes compartimentos corporais, das variações nas necessidades energéticas do metabolismo e da modificação fisiológica que a atividade condiciona. Desse modo, dá-se preferência à coleta de amostras com o paciente em condições basais, que são mais facilmente reprodutíveis e padronizáveis. O esforço físico ainda é capaz de aumentar a atividade sérica de enzimas de origem muscular, como a creatinoquinase (CK), a aldolase e a aspartato aminotransferase, pelo aumento da liberação celular. Pode haver ainda hipoglicemia, elevação da concentração do ácido láctico em até dez vezes e aumento nas atividades das enzimas renina e CK em até quatro e dez vezes, respectivamente. As variações chegam a persistir por 12 a 24 horas, a depender da intensidade do exercício e do grau de condicionamento físico do indivíduo.
Influência da atividade física na dosagem de CK
Sexo masculino, 32 anos, praticante de exercício físico
Medicamentos em uso
Uma vez que podem se constituir em interferentes, os fármacos usados pelo paciente devem ser protocolados para evitar alterações que acabem induzindo o médico a erros na interpretação dos valores encontrados. Tais interferências ocorrem in vivo, quando o medicamento modifica o resultado, como a hiperglicemia causada pelo uso de corticoides ou a elevação da atividade da CK total pelo uso de estatinas.