Passo a passo na investigação da diarreia crônica
Ao contrário da DA, a DC não tem resolução espontânea e apresenta um amplo rol de causas associadas, o que requer uma avaliação específica

O início da investigação envolve uma história clínica e exame físico detalhados. As seguintes informações são essenciais ao raciocínio diagnóstico:

• Cronologia dos sintomas, correlacionando-os com mudanças na alimentação e/ou estilo de vida;

• Uso de medicamentos, incluindo antimicrobianos;

• Presença de comorbidades, assim como, história de cirurgias pregressas;

• Características das fezes, como presença de sangue e muco, volume e consistência, além do padrão da diarreia (contínua ou intermitente);

• Sintomas sistêmicos associados como febre, astenia, perda de peso, dor abdominal, alteração do apetite, sangramentos, edema;

• Presença de infecções de repetição;

• Viagens recentes..





Triagem para diarreia crônica
O exame coprológico é um conjunto de testes úteis na triagem para investigação da diarreia crônica. Atualmente é composto pela pesquisa de sangue oculto, dosagem de alfa-1 antitripsina, pesquisa de gordura, parasitológico e pH fecal.

Em uma única amostra de fezes pode ser feita a avaliação conjunta desses exames, importantes na diferenciação de quadros funcionais e orgânicos e na avaliação da presença ou não de má-absorção, direcionando posteriormente para exames mais específicos que levarão ao diagnóstico.


Diarreia inflamatória
Caracterizada, principalmente, por fezes de pouco volume e sanguinolentas, é, de modo geral, acompanhada por febre, dor abdominal e tenesmo. Os principais diagnósticos diferenciais são quadros infecciosos, doença inflamatória intestinal, alergia à proteína do leite de vaca (lactentes) e neoplasias.





Infecção por Clostridium difficile
Bactéria produtora de toxinas patogênicas, é responsável por quase a totalidade dos casos de colite pseudomembranosa e por até 20% dos casos de diarreia associada ao uso de antimicrobianos. O método considerado padrão-ouro para o diagnóstico do C. difficile é a cultura toxigênica, mas, em decorrência do tempo necessário para a liberação do resultado – de três a cinco dias – , o teste tem sido pouco solicitado na prática clínica. Com execução mais rápida, a pesquisa das toxinas A e B nas fezes, realizada por teste imunoenzimático, utilizando anticorpos monoclonais, tem sensibilidade mais baixa, mas alcança 98% de especificidade. Propiciando agilidade e mais acurácia ao diagnóstico, é possível realizar a pesquisa do DNA do C. difficile nas fezes por PCR em tempo real – método que permite extrair ácido nucleico diretamente da amostra clínica, assim como, amplificar e quantificar simultaneamente os genes que codificam as toxinas A e B, possibilitando a liberação rápida do resultado. Nos casos em que a pesquisa das toxinas ou o exame por PCR em tempo real forem negativos, mas persistir a suspeita clínica, a cultura de fezes com teste de toxigenicidade é recomendada para confirmação diagnóstica.


Como avaliar o processo inflamatório da mucosa intestinal
Pesquisa de sangue oculto nas fezes (SOF):
exame útil para o diagnóstico de sangramentos provenientes do intestino grosso, não visíveis nas fezes.

Dosagem de alfa-1 antitripsina fecal (A1ATF):
é uma proteína excretada íntegra nas fezes e um bom marcador para perdas proteicas intestinais e processos inflamatórios da mucosa intestinal.

Dosagem de calprotectina nas fezes (CF):
proteína ligadora de cálcio e zinco, abundante nos neutrófilos e muito estável nas fezes, bom marcador de processo inflamatório da mucosa do trato gastrointestinal e útil no diagnóstico diferencial de síndrome do intestino irritável e doença inflamatória intestinal.

Esteatorreia
Associada a fezes volumosas, com alto teor de gordura, está geralmente relacionada com quadros de má-absorção ou má-digestão. Entre os principais diagnósticos diferenciais estão a doença celíaca, a insuficiência pancreática exócrina (incluindo aquela associada à fibrose cística) e a alteração na concentração duodenal de sais biliares.





Doença celíaca – intolerância permanente ao glúten
Caracterizada por atrofia total ou subtotal da mucosa do intestino delgado proximal, levando à má-absorção, na sua forma típica é uma causa de diarreia crônica. Os marcadores sorológicos – anticorpos antiendomísio e antitransglutaminase – são testes não invasivos com alta sensibilidade e especificidade e atualmente preconizados como diagnóstico da doença celíaca, quando positivos em títulos elevados – salvo exceções, quando a confirmação será necessária com a realização de endoscopia e biópsia de intestino delgado, para avaliação histológica da mucosa. Os anticorpos são também úteis para acompanhamento terapêutico já que, em pacientes celíacos, elevam-se com a ingestão de glúten e caem com a dieta isenta. Ademais, por meio de exame do sangue periférico, é possível realizar a genotipagem do HLA e determinar se o paciente apresenta os heterodímeros DQ2 e DQ8, associados à doença. Sabe-se que 98% dos portadores de doença celíaca apresentam DQ2 e/ou DQ8. Por outro lado, é importante frisar que esses alelos não são raros na população geral, ou seja, a ausência de ambos os alelos torna muito improvável esse diagnóstico, enquanto que a presença destes não permite a confirmação.


Como avaliar a perda de gordura nas fezes
Determinação quantitativa de gordura nas fezes:
realizado em material fecal colhido durante 72 horas, após dieta com sobrecarga de gordura, é um teste de triagem para investigação das síndromes de má absorção de origem pancreática ou duodenal. Em adultos, valores acima de 7 gramas de gordura em 24 horas sugerem esteatorreia.

Dosagem de elastase nas fezes:
útil para diferenciar entre esteatorreia de origem pancreática ou duodenal, pois reflete a capacidade secretória do pâncreas. Níveis de elastase nas fezes abaixo do valor de referência sugerem insuficiência pancreática exócrina.

Diarreia aquosa
Caracterizada por fezes líquidas, pode ser classificada como osmótica ou secretória. Entre os principais diagnósticos diferenciais estão o uso de medicamentos laxativos, a intolerância à lactose, os quadros infecciosos e as neoplasias (carcinoma de cólon, linfoma, tumores neuroendócrinos).





Intolerância à lactose – deficiência enzimática com alta prevalência em adultos
A lactose é um dissacarídeo abundante no leite humano e no de outros mamíferos. Para sua absorção, deve ser digerida em monossacarídeos, a glicose e a galactose, por meio da ação da lactase, enzima presente nas microvilosidades dos enterócitos. A deficiência da lactase leva à má digestão da lactose, com consequente acúmulo desse açúcar na luz intestinal, onde tem um efeito osmótico, resultando em aumento local de água, aceleração secundária do trânsito e diarreia. As manifestações clínicas dependem, principalmente, da quantidade de lactose ingerida. Apesar dos sintomas, a correlação entre o relato de intolerância à lactose pelos pacientes e o diagnóstico é pobre. Assim, não se recomenda o início de uma dieta de exclusão de leite baseada apenas na história clínica, pois isso pode acarretar uma diminuição da ingesta de cálcio com prejuízo para o paciente.

Entre os exames disponíveis para o diagnóstico, a dosagem de lactase na mucosa duodenal, em fragmento colhido por endoscopia, tem sensibilidade de 95% e especificidade de 100%. No entanto, por ser um exame invasivo, é pouco utilizado. Na prática, pode-se medir indiretamente a capacidade de digestão desse carboidrato. Conhecido como teste de absorção da lactose, esse exame consiste na ingestão de uma quantidade fixa do dissacarídeo, com dosagem da glicemia antes e depois da ingesta. O indivíduo capaz de digerir a lactose apresenta um incremento de pelo menos 20 mg/dL na glicemia em relação ao valor basal.

01 de novembro de 2013