Conteúdo Médico: Diagnóstico molecular de infecções sexualmente transmissíveis

Ocasionadas por bactérias, vírus e parasitas, as infecções sexualmente transmissíveis (IST) acometem mais de 1 milhão de pessoas por dia no mundo e se encontram entre os cinco principais motivos de consulta médica. Além de causarem grande impacto para a saúde, algumas podem aumentar o risco de aquisição do HIV em três vezes ou mais.

O diagnóstico laboratorial de IST conta com diferentes técnicas para identificar os microrganismos, como microscopia direta, cultura, reações para detectar antígenos e anticorpos, testes que detectam metabólitos microbianos e métodos moleculares. Todo esse arsenal é empregado tanto para a detecção de infecções típicas, atípicas e assintomáticas quanto para o rastreamento e a monitoração do tratamento, entre outras aplicações.

De modo geral, os testes moleculares trouxeram ganho em sensibilidade, especificidade e acurácia no diagnóstico de algumas doenças e reduziram o tempo de realização em comparação às demais metodologias. Dentre as técnicas utilizadas na Medicina Diagnóstica, merece destaque a reação em cadeia da polimerase (PCR), que, a partir de uma única ou de poucas cópias, amplifica um fragmento ou sequências específicas de DNA ou RNA de qualquer organismo, gerando milhares de cópias idênticas.

A PCR em tempo real configura uma evolução dessa técnica, na medida em que possibilita acompanhar os ciclos de amplificação em tempo real e reconhecer, ao mesmo tempo, várias sequências. Em protocolos específicos, essa característica permite a identificação de diferentes genótipos. Além disso, possui controles internos para cada amostra, a fim de eliminar resultados falso-negativos.

Uma das vantagens do método é a possibilidade de utilizar diversas matrizes biológicas e investigar vários agentes simultaneamente com a mesma amostra, como vírus e bactérias (veja como fazer o pedido médico desses exames). Por exemplo, no mesmo frasco de coleta de material para a citologia líquida cervical, pode-se realizar a pesquisa, por PCR, de C. trachomatis, HPV, Mycoplasma, Ureaplasma e T. vaginalis. Para o esclarecimento da etiologia de úlceras genitais, como geralmente não dá para firmar diagnóstico com base apenas nos aspectos clínicos, é importante pesquisar simultaneamente Treponema pallidum, Haemophilus ducreyi e vírus Herpes simplex por PCR.


Amostras

De modo geral, sugere-se, na mulher, a coleta de amostra endocervical ou de urina, se houver sintomas de uretrite. Nos homens, recomenda-se amostra de urina. Atualmente, convém substituir o raspado uretral pela coleta de urina de primeiro jato em ambos os sexos, já que esta apresenta a mesma sensibilidade do primeiro, além de ser mais cômoda para o paciente.

Um levantamento recente, dos últimos cinco anos, feito no Grupo Fleury com cerca de 197 mil testes para detecção de C. trachomatis ou N. gonorrhoeae por PCR em tempo real, encontrou índice de coinfecção de 0,07% e maiores taxas de detecção em amostras de urina em comparação ao raspado genital (2,06% vs. 2,05% para C. trachomatis; 0,37% vs. 0,31% para N. gonorrhoeae).

Esse resultado demonstra a importância da pesquisa desses dois patógenos, assim como do uso da amostra de urina primeiro jato como a alternativa ideal para o diagnóstico – o que só é corroborado quando se soma a isso a facilidade da coleta de urina e o fato de ela não ser invasiva.


Como fazer o pedido de exames simultâneos

1. Solicito PCR para Chlamydia, Neisseria, Micoplasma e Ureaplasma na urina*

2. Solicito PCR para Chlamydia nos raspados endocervical, anal, orofaríngeo, conjuntival

3. Solicito PCR para Chlamydia e Neisseria em raspado endocervical*

4. Solicito PCR para Treponema pallidum, Herpes simplex vírus e Haemophilus ducreyi em raspado de úlcera vulvar

5. Solicito PCR para HPV, Chlamydia e Neisseria em raspado endocervical

*Observação: a detecção de Neisseria e Chlamydia por PCR apresenta sensibilidade maior na urina.


A seguir, veja detalhes sobre a utilização da PCR em tempo real nas diferentes infecções genitais.


Pesquisa de Chlamydia trachomatis

A infecção é mais prevalente em pessoas com idade igual ou inferior a 24 anos. Frequentemente cursa de forma assintomática tanto em homens quanto em mulheres. Nessa população, a infecção ocasiona cervicite e pode ter consequências mais graves, que incluem doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica e infertilidade, caso não seja diagnosticada e tratada. As uretrites não gonocócicas têm, como etiologia, a C. trachomatis em 15% a 40% dos casos.

Amostras
Indicações
Observações
- Raspado vaginal, endocervical ou retal
- Urina de primeiro jato
- Diagnóstico da infecção
- Rastreamento anual de mulheres sexualmente ativas com idade ≤25 anos ou acima dessa faixa etária, desde que haja fatores de risco (novo parceiro sexual, múltiplos parceiros sexuais, parceiro sexual com IST etc.)*
- Sensibilidade: 98%; especificidade: 100%
- Considerada superior em comparação a outras técnicas, como cultura e métodos imunológicos (Elisa e imunofluorescência direta)
- Pode permanecer positiva por até sete dias após o tratamento antibiótico bem-sucedido, pela possibilidade de permanência de material genético bacteriano

*Diretrizes do CDC.


Pesquisa de Haemophilus ducreyi

O diagnóstico do cancroide depende da caracterização do quadro clínico, com uma ou mais úlceras genitais dolorosas, de fundo purulento, associadas à linfadenopatia inguinal, e confirmação por testes laboratoriais.

Amostras
Indicações
Observações
- Lesão (úlcera) genital, peniana, anal ou oral
- Diagnóstico da infecção
- Sensibilidade: 92%; especificidade: 79%
- Em função da dificuldade de isolamento em cultura, que demanda semeadura em meios enriquecidos e incubação por uma semana em temperatura de 30°C, a PCR em tempo real é o teste com maior sensibilidade para o diagnóstico do cancroide


Pesquisa de Herpes simplex

As manifestações provocadas pelo vírus Herpes simplex (HSV) são bastante típicas, permitindo muitas vezes o diagnóstico clínico. No herpes genital, o agente principal é o HSV-2, embora o HSV-1 também possa estar envolvido. Ambos se caracterizam por reativações de frequência variável, causando lesões recorrentes. Recomendam-se exames laboratoriais quando a lesão tem aspecto atípico e para a diferenciação entre o HSV-1 e o HSV-2. O método mais sensível é a PCR em tempo real, realizado no raspado da lesão.

Amostras
Indicações
Observações
- Lesão genital, oral, de pele ou ocular
- Diagnóstico da infecção pelo HSV-1 e HSV-2, sobretudo em quadros iniciais
- A sensibilidade pode chegar a 98% em material colhido de vesículas íntegras com poucos dias de evolução, sendo decrescente para lesões mais antigas e crostosas, e não ultrapassa 40% para a identificação de excreção viral em pacientes assintomáticos
- Apresenta maiores sensibilidade, especificidade e rapidez de execução em comparação às técnicas clássicas, como o isolamento viral em culturas celulares e a pesquisa de anticorpos, principalmente no início do quadro
- Os resultados negativos não excluem o diagnóstico, uma vez que a eliminação viral é intermitente e a sensibilidade da técnica depende da qualidade do material celular obtido na coleta


Pesquisa de papilomavírus humano 

Considerada hoje a IST mais comum, atinge cerca de 80% das pessoas em algum momento da vida. Por volta de 200 tipos do papilomavírus (HPV) já foram identificados, dos quais 45 infectam o trato genital e a região anorretal. Dentre os de baixo risco oncogênico, o 6 e o 11 são os mais comuns e causam sobretudo verrugas genitais. Já os de alto risco incluem os tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73 e 82 e associam-se a lesões de baixo e alto graus e câncer. O teste biomolecular ajudar a identificar a infecção latente pelo vírus em amostras de esfregaços cervicais ou de biópsia.

Amostras
Indicações
Observações
- Raspado endocervical, vaginal, vulvar ou anal
- Raspado escrotal e peniano
- Sítios extragenitais, como mucosa nasal, orofaringe e língua
- Fragmentos de tecidos obtidos por biópsia e ressecção cirúrgica e material colhido anteriormente, desde que fixado em formol e emblocado em parafina
- Estratificação de risco (rastreamento primário) para lesões pré-neoplásicas ou neoplásicas, com ou sem citopatologia, em mulheres com idade ≥30 anos
- Seguimento pós-tratamento de lesões de alto grau
- Diferenciação de processos reativos não induzidos pelo HPV em citologias com células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US)
- Para o rastreamento de neoplasia intraepitelial cervical de grau 2 ou 3, pode chegar à sensibilidade de 94,6% e à especificidade de 94,1%.
- O teste utilizado no Grupo Fleury (Cobas® 4800 Human papillomavirus, Roche) detecta, de modo qualitativo, 14 tipos de HPV de alto risco oncogênico: 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 66 e 68, além de informar individualmente a presença do 16 e/ou do 18
- É aprovado pelo FDA norte-americano como teste de rastreamento primário do câncer de colo do útero
- Atualmente, considera-se de valor clínico a identificação apenas dos tipos de HPV de alto risco oncogênico. Da mesma forma, a carga viral não tem mais valor clínico, já que não se relaciona de modo preciso com a intensidade da infecção
- Nas mulheres, o colo do útero (endocérvice) é o local preferencial para a obtenção da amostra. Havendo necessidade de análise de todo o trato genital inferior, pode-se realizar coleta única e enviar o material em um só frasco


Pesquisa de Mycoplasma genitalium/hominis

Trata-se de uma das causas de uretrite não gonocócica, além de infectar o trato genital de maneira assintomática ou de ocasionar vaginites e cervicites.

Amostras
Indicações
Observações
- Raspado vaginal ou endocervical
- Urina de primeiro jato.
- Detecção da infecção por esses agentes; em mulheres, o teste molecular para M. genitalium tem particular aplicação em casos de cervicite mucopurulenta, corrimento cervical ou vaginal com fator de risco para IST, sangramento intermenstrual ou pós-coito e dor pélvica aguda e/ou doença inflamatória pélvica, bem como em parceira sexual de homens com sintomas ou sinais de uretrite ou homem <50 anos com epididimorquite aguda e em parceira sexual de pacientes com IST, em especial os positivos para M. genitalium
- Sensibilidade: 90,5%; especificidade: 99,2%


Particularidades


Mycoplasma genitalium

• Recomenda-se a PCR para a investigação de infecções pelo M. genitalium devido a seu crescimento lento em meio de cultura, que pode demorar até seis meses.

• Não há quantificação mínima para diferenciar colonização da infecção; assim, se a PCR for positiva e houver sintomas, o diagnóstico é provável.

• Não existe consenso sobre o tempo mínimo após a exposição para obter a melhor sensibilidade. Assim, sugere-se solicitar o exame logo após a primeira consulta e testar novamente depois de duas semanas, se a PCR para M. genitalium for negativa.


Mycoplasma hominis

• A PCR é a melhor ferramenta diagnóstica para sítios estéreis ou quando há cultura negativa em um paciente sintomático.

• Contudo, ainda se preconiza a cultura quantitativa para o diagnóstico em material cervical, considerando-se significativas cargas bacterianas ≥104 unidades trocadoras de cor/mL.


Pesquisa de Neisseria gonorrhoeae

Causa uretrites, principalmente em homens, e, nas mulheres, pode provocar uretrite ou cervicite, as quais, sem tratamento, resultam em doença inflamatória pélvica, infertilidade e gravidez ectópica. A artrite gonocócica configura outra complicação em ambos os sexos quando a infecção genital não é tratada. Enquanto as infecções são sintomáticas na maioria dos homens, frequentemente cursam sem manifestações nas mulheres.

Amostras
Indicações
Observações
- Raspado endocervical, vaginal, retal ou de orofaringe
- Urina de primeiro jato
- Diagnóstico da infecção
- Rastreamento anual de mulheres sexualmente ativas com idade ≤25 anos ou acima dessa faixa etária, se houver fatores de risco (novo parceiro sexual, múltiplos parceiros sexuais, parceiro sexual com IST, etc)*
- Sensibilidade: 96,9%; especificidade: 99,8%
- É mais sensível que a da cultura em meio específico porque não necessita da viabilidade bacteriana
- Tem utilidade no diagnóstico da infecção em mulheres, visto que a população feminina frequentemente não apresenta sintomas e pode evoluir para doença inflamatória pélvica ou salpingite aguda
- Em homens, o diagnóstico pode ser feito em cultura com meio específico ou pela detecção do DNA do agente

*Diretrizes do CDC


Pesquisa de Treponema pallidum

As recomendações de diagnóstico da sífilis variam de acordo com a fase clínica. O teste biomolecular, em particular, tem papel na fase primária.

Amostras
Indicações
Observações
- Lesão (úlcera) genital, peniana, anal ou oral.
- Diagnóstico de sífilis primária
- Investigação de casos com achados clínicos sugestivos de sífilis inicial, embora com resultados sorológicos não correspondentes
- Sensibilidade: 87,5-95,3%; especificidade: 99,2%
- Como a quantidade de T. pallidum no cancro diminui progressivamente no curso natural da doença, o ideal é que, na suspeita de sífilis primária, sejam solicitadas a pesquisa do agente na lesão e a sorologia
- A sensibilidade da PCR é maior na fase inicial do cancro e menor na fase final, enquanto a da sorologia com antígenos treponêmicos é menor na fase inicial (<75%) e maior na fase final do cancro (95%)
- A PCR da lesão apresenta maior sensibilidade que a microscopia em campo escuro


Pesquisa de Trichomonas vaginalis

Para o diagnóstico da tricomoníase, a cultura em meio de Diamond possui sensibilidade de 80% e era considerada o padrão-ouro antes do surgimento do teste molecular. Atualmente, a PCR possibilita o diagnóstico da infecção com maiores sensibilidade e especificidade.

Amostras
Indicações
Observações
- Raspado vaginal ou endocervical
- Urina de primeiro jato
- Diagnóstico da infecção
- Sensibilidade: 92,7-100%; especificidade: 95,2-99,9%
- Em comparação à microscopia direta do material clínico e à cultura em meio de Diamond, trata-se do teste com maior sensibilidade para o diagnóstico da tricomoníase


Pesquisa de Ureaplasma urealyticum/parvum

É também uma das causas de uretrite não gonocócica, além de infectar o trato genital de maneira assintomática ou de provocar vaginites e cervicites.

Amostras
Indicações
Observações
- Raspado vaginal ou endocervical
- Urina de primeiro jato
- Diagnóstico da infecção por U. urealyticum e U. parvum
- Sensibilidade: 96,5%; especificidade: 93,6%
- Discrimina as duas espécies
- Possui sensibilidade superior à da cultura e elevado VPN, mas o VPP é limitado, pois não diferencia colonização de doença
- É a melhor ferramenta diagnóstica para sítios estéreis ou quando há cultura negativa em um paciente sintomático, desde que sejam excluídas outras causas infecciosas

VPN: valor preditivo negativo; VPP: valor preditivo positivo


Assessoria Médica a+

Dra. Ana Beatriz Andreo

[email protected]

Dra. Flávia Barbosa

[email protected]

Dr. Pedro Saddi

[email protected]

Dra. Wanda Iwakami Caldana

[email protected]


Conteúdo científico elaborado por:

Dra. Carolina dos Santos Lázari

Dr. Celso Granato

Dr. Gustavo Arantes Rosa Maciel

Dr. Ismael D. Cotrim Guerreiro da Silva

Dr. Jorge Luiz Mello Sampaio

Dra. Paola Cappellano Daher


13/01/21

13 de janeiro de 2021

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